, , , , ,

Quando o Álcool Perde a Graça e Vira um Problema. Como Intervir?

O alcoolismo tem tornado o Brasil com medalha de bronze pelo número de mortes por álcool nas Américas, segundo dados da ONU (dados de 2012). Essas mortes se dão pelo uso indevido da bebida, seja ela por recreação ou pela dependência da mesma.

Muitas vezes trazemos para o lado cômico quando vemos vídeos registrados de pessoas que bateram o carro e deram entrevistas totalmente alcoolizados, falando de maneira errada ou incoerente. Cômico por não ter gerado vítimas, mas quando geram, perde-se a graça, acarretando em transtorno e traumas para muitas pessoas.

Então, esse texto fica de reflexão, ou seja, para ir além do tratamento do alcoólatra, e buscar conscientizar as pessoas que ao saírem para as “noitadas”, serem prudentes caso forem beber. Chamem um Taxi, Uber ou então reveze com um amigo que não bebeu, pois o mais importante é deixar a sua vida a salvo e a de outros também.

Antes de falarmos sobre o uso da Hipnose para o tratamento do alcoolismo, vamos discorrer um pouco sobre a questão do uso da substância e sobre os Alcoólatras Anônimos (AA), grupo este que tem poupado diversas vidas da sociedade pela sua efetividade.

Essa doença é decorrida por diversos fatores: manifestação ou resultado de um distúrbio crônico consciente ou inconsciente, associado aos fatores de ordem metabólica e ambiental, além de algumas vezes apresentar um potencial genético¹. Sobre a questão ambiental, mostra-se a relevância de como o consumo da bebida é associado com bem-estar, prazer, sucesso e entre outras coisas boas da vida.

Lógico, beber não é algo em si ruim, porém tornar disso uma necessidade para a busca dos estados acima torna-a degradante, tanto para quem bebe quanto para os que estão em volta. Essas crenças de que o álcool ajuda em vários fatores da vida são reforçadas por vários fatores positivos, como: sair com os amigos; conseguir conquistar a pessoa desejada; sentir-se “grandioso”; fazer feitos que “não faria” se não tivesse bebido; relaxar no final da tarde de trabalho ou final de semana.

Dessa forma, essas coisas boas, e que realmente são, passam a ser reforçadas cada vez mais que são praticadas, mostrando o álcool como um grande amigo/companheiro. O problema é que, com a repetição dos mesmos, o uso da bebida pode se tornar como o “único fator” para alcançar essas coisas boas, e é aí que começam os grandes problemas. Assim, o consumo passa a ser como uma válvula de escape pelo fato de o indivíduo não conseguir lidar com as suas necessidades de outra maneira, pois por aí encontrou um modo mais “fácil”.

Bom seria se apenas ao ler o texto as pessoas conseguissem identificar quando o álcool possui esse papel importante na vida delas, porém geralmente é necessário chegar ao fundo do poço para conseguir pedir ajuda, e mesmo assim torna-se difícil de sair de lá, pois o buraco já está fundo e essas coisas boas já foram demasiadamente reforçadas.

Mas, vamos passar para quando a pessoa consegue reconhecer os malefícios que o mesmo tem feito e então decide pedir ajuda, seja ela para um profissional da área da saúde ou então para o AA. E porque o AA muitas vezes tem mais sucesso do que vários meios de tratamento?

Um dos fatores, diria eu, é o fato de criar vínculos que mantém os estímulos que antes os levavam para o álcool mais distantes, como por exemplo: ter amigos ali dentro que ao invés de sair para ir a um bar, se encontram em um lugar do qual não contenha bebidas etílicas e que lá consigam se divertir. Outra questão é o fato do apadrinhamento, cujo este passa a ser uma espécie de “terapeuta”, já que o padrinho passa a dar concelhos para você. Pois, nem sempre podemos evitar os estímulos que nos levam a beber, porém é aí que precisa-se de força para manter-se afastado, e o padrinho passa a contribuir para isso.

Um exemplo de um estímulo que não tem como evitar seria o “surgimento de problemas”, problemas estes que antes eram afogados em goles e mais goles, pois assim tinha-se a crença de que esquecê-los naquele momento iria fazer com que as dores passassem por aquele instante. Ou seja, só iria protelar o problema e aumentaria ainda mais a ingestão do mesmo, já que acordaria com ele ali, e talvez não conseguiria lidar novamente com ele. Então, o padrinho passa a aconselhá-lo, tutorear para ser capaz de resolvê-los.

Além disso, o AA torna mais possível o fato de viver uma vida sem álcool, pois dentro do grupo existem diversos testemunhos que ajudam a entrar nesse caminho e reforçam essa crença. Acredito que não contemplei todas as benfeitorias do mesmo, mas esse post é destinado ao tratamento dessa doença com o uso da hipnose, então passamos a discorrer sobre.

A finalidade do tratamento, assim como do AA, é permitir ao paciente abandonar o álcool, ensinando-o a enfrentar a vida e os seus problemas com maturidade. Dessa maneira, fazemos então uma reprogramação mental, na busca de recursos internos e provas do mesmo para que o paciente consiga enxergar que possa ter autonomia sem a dependência do mesmo. Mas, para isso, o paciente precisa querer, pois do que adianta o médico receitar remédios e o paciente não tomá-los?

Para pacientes alcoolistas crônicos, julga-se necessário a intervenção advinda da medicina, pois os sintomas de abstinência podem ser demasiados fortes, além de precisar de uma desintoxicação. Posterior a isso, o trabalho com a hipnose pode ser muito bem executado, além de que intervenções antes disso podem atrapalhar no sistema de crenças do mesmo em relação a se o tratamento dará certo.

Antes de tudo, precisamos saber se o paciente veio por meio de outrem ou por vontade própria. Se for pelo último, a chance de um ótimo trabalho é alta, pois a pessoa já se encontra motivada para realizar tais procedimentos. Caso não, cria-se a necessidade de investigar quais são as possíveis motivações que o paciente pode adquirir no intuito de tratar o vício, ou seja, procurar aspectos na pessoa que o incentivem a largar a bebida. Encontrado os motivos ou “O” motivo, foca-se neles para que a pessoa desenvolva essa motivação para alcançar seu objetivo.

Outro meio utilizando dessas crenças motivadoras é mostrar que usando o álcool muitas ambições das quais gostaria de realizar não serão capazes, então trabalhar com Ponte ao Futuro* torna-se essencial. Colocarei aqui uma Anamnese utilizada por Marlus Vinícius e exposta em seu livro, sendo que por ela é possível analisar demasiados aspectos da vida em relação ao uso etílico.

  1. Se realmente deseja parar de beber, qual o motivo básico que o faz pensar assim? Este é o ponto essencial.
  2. Descobrir a motivação do paciente para beber bebidas alcoólicas a fim de poder eliminá-la.
  3. Em quais condições veio para o tratamento?
  4. Se acha que pode ficar completamente afastado de bebidas alcoólicas, sem nunca mais colocá-las na boca?
  5. Descobrir a melhor via de comunicação para o paciente entrar em hipnose: visual, auditiva, cinestésica ou mista, como visual e auditiva. Para descobrir isso converse com o paciente observando como ele se expressa. E também pergunte como prefere estudar? Se aprende melhor ouvindo o texto ou visualizando o texto ou escrevendo resumos sobre o texto ou imaginando sobre o texto. Procure ainda conhecer qual a preferência do paciente: imagens, sons ou sensações; ou uma combinação de algumas dessas opções. A seguir procurar saber, honestamente, como começou o hábito de beber e a sua evolução.
  6. Quando começou a beber?
  7. Por que começou a beber?
  8. Quanto bebia no início?
  9. Quanto bebe por dia nos últimos meses e semanas?
  10. Qual o local preferido para beber: lar? Bar da esquina? Clube? Trabalho? Na casa de amigos?
  11. Qual a hora preferida para beber e o dia da semana?
  12. Qual ou quais as bebidas preferidas?
  13. Há companhias preferidas com as quais costuma beber?
  14. Esse hábito está lhe causando prejuízos orgânicos, conjugais, familiares, financeiros, profissionais e sociais? Em seguida saber se a eliminação desse hábito traz uma situação emocional definida melhor para o paciente.
  15. Se deixando de beber as pessoas que ele ama ficarão mais contentes (namorada, esposa, filhos, pais, alguma pessoa com ascendência)?
  16. Se o dinheiro economizado deixando de beber poderá ser mais bem empregado?
  17. Se deixando de beber acha que além de agradar a uma pessoa que muito aprecia, facilitará a obtenção de alguma coisa que deseja?
  18. Se tem algum outro motivo pelo qual valeria a pena deixar de beber?
  19. Se existe alguma condição física importantíssima, como impotência, diabetes, polineurite, doença hepática, que para ser melhorada necessita do abandono de bebidas alcoólicas?
  20. Se necessita tomar algum medicamento que é incompatível com o uso de bebidas alcoólicas? Em seguida, tentar descobrir as causas básicas iniciais do excesso alcoólico habitual e suas influências na vida do paciente.
  21. Curiosidade e intenção de sentir em si mesmo os efeitos experimentados por outros amigos?
  22. Para “aparecer” numa reunião social?
  23. Para “dissolver” um reação depressiva diante de algum problema ou dificuldade quanto ao sexo, amor, religião, relacionamento com outras pessoas, dificuldades econômicas, financeiras ou conjugais?
  24. Necessidade de superar inibições provocadas por algum aspecto físico que lhe é desagradável, como uso de aparelho de audição, uso de aparelho dental, uso de alguma outra prótese?
  25. Existência de personalidade pré-mórbida definida, como uma doença mental associada a compulsão para beber?
  26. Há alcoolista na família? Qual o motivo básico que o faz pensar em deixar realmente de beber?

Posterior a essa parte, vide necessário ver quais hábitos/hobbies saudáveis o paciente gosta de desenvolver. Eles serão pontos para manter o indivíduo longe da bebida etílica, ou seja, com o aumento dessas práticas, desenvolve-se o bem-estar e mostra a não necessidade do consumo da mesma.

Tendo todos esses dados, basta então o Hipnoterapeuta realizar a reprogramação mental no sujeito, sendo que esses elementos trazem uma boa fundamentação para onde percorrer os cuidados com mesmo. Além disso, evidenciar a necessidade de fazer auto-hipnose, para aderir ainda mais ao tratamento e sentir-se mais engajado ao mesmo. Outro fator que acredito ser interessante é estar “disponível” ao paciente no início do tratamento, pois às vezes ele pode sentir-se inseguro, com medo de ter uma recaída. Posteriormente, o vínculo tem que ser modificado, pois o mesmo precisa desenvolver sua autonomia, autonomia esta advinda das novas ferramentas aprendidas através da hetero/auto-hipnose.

Então, retomando alguns pontos importantes para trabalhar durante o transe, seriam: mostrar quais caminhos podem surgir caso ele continue no consumo etílico; trabalhar os porquês que ele ingere bebida; ponte ao futuro como busca de motivação para permanecer “limpo”; do mesmo modo que mostrou os pontos negativos caso continue, mostrar os pontos positivos para manter-se sem a bebida; comandos pós-hipnóticos para as situações que eliciam o comportamento de beber, como por exemplo sentir-se relaxado/anestesiado quando um evento muito estressante acontece.

Acredito que com essa exposição sobre o alcoolismo, tenha ficado mais claro de que é sim um problema sério e que devemos repensar como a nossa sociedade incentiva o consumo do álcool, que vai além da recreação. Espero também que tenha dado uma boa base para como agir no consultório quando a pessoa pede socorro para o tratamento. Agradeço a paciência pela leitura, e até breve!

 

* Ponte ao Futuro seria levar o sujeito a se imaginar realizando tais atos que deseja alcançar/estar da maneira que gostaria de ser. Ou seja, trazemos o futuro para o presente, fazendo-o sentir como é ser dessa maneira.

 

 

leu garcia
By Leonardo Garcia
Hipnólogo e Psicólogo formado na Universidade Estadual de Maringá, co-fundador da Esportive. #teamesportive