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O Processo Psicoterápico Psicanalítico Bioniano Infantil

Para compreender melhor o processo psicoterapêutico pela vertente psicanalítica, serão considerados os autores: Winnicott, Klein, Zimerman, Bion e Ferro. Além desses teóricos, há o principal autor da psicanálise, Freud, o fundador da mesma. Tomar-se-á bases da psicanálise a partir de Freud, porém a compreensão da técnica psicanalítica partirá, principalmente, dos outros autores citados.

Como bem sabemos, a terapia com a criança difere em alguns pontos com a de um sujeito adulto. Uma especificidade do processo psicoterápico com criança é o quão o brincar está presente nesses momentos. Para Winnicott, o brincar seria a centralidade do processo psicoterápico em si, o qual descreve que

 

a psicoterapia se efetua na sobreposição de duas áreas do brincar, a do paciente e a do terapeuta. A psicoterapia trata de duas pessoas que brincam juntas. Em conseqüência, onde o brincar não é possível, o trabalho efetuado pelo terapeuta é dirigido então no sentido de trazer o paciente de um estado em que não é capaz de brincar para um estado em que o é [1].

 

Sendo assim, o brincar no tratamento é uma evidência de saúde, por isso o terapeuta buscará um estado em que o sujeito possa brincar. Para Winnicott, o brincar está relacionado com os fenômenos transicionais, e dessa maneira, o brincar passa a ter um lugar e um tempo, sendo que “para controlar o que está fora, há que fazer coisas, não simplesmente pensar ou desejar, e fazer coisas toma tempo. Brincar é fazer” [1].

Ou seja, o brincar está localizado num “espaço potencial”, que é o espaço incialmente existente entre a “mãe e o bebê” [1]. Este espaço seria como uma terceira área do viver, encontrando as experiências culturais e o brincar criativo. Evidencia-se que é uma área muito variável entre os indivíduos, pois ela é produto das experiências individuais da criança com sua mãe, ou quem faça esse papel, na fase em que se inicia uma diferenciação entre o que seria o eu e o não-eu, mundo interno e o externo. Assim, temos que “o comportamento do ambiente faz parte do próprio desenvolvimento pessoal do indivíduo” [1]. Corroborando com essa assertiva, Ferro aponta que o brincar nasce quando a mãe cuida do seu bebê, sendo visto através de balbucios, sons e verbalizações [2].

Então, para que o espaço potencial seja bem desenvolvido, a mãe precisa ser suficientemente boa, termo posto por Winnicott [1]. Ela ajudará o bebê a passar de uma fase onde mãe e bebê estão fundidos para outra em que a mãe torna-se objeto, sendo repudiado e aceito novamente, percebido objetivamente. Após isso, a criança passa a perceber que consegue ficar sozinha, porém as angústias podem aumentar e o socorro da mãe se torna necessário, criando então um espaço onde a criança começa a lidar com as frustações, tempo e sua continuidade em integração, criando também um sentimento de confiança em relação à figura materna.

Segundo Klein, é de suma importância essa integração, sendo base para a saúde mental na vida. A “internalização dos pais bons e a identificação com eles subjaz lealdade para com as pessoas e causas e à capacidade de fazer sacrifícios por nossas convicções” [3]. Nota-se o quão importante são os primeiros anos de vida de uma pessoa, além da importância dos pais no desenvolvimento da criança.

No decorrer do desenvolvimento, certas fantasias no bebê mostram-se vinculadas com o processo de maternagem, ou holding, que Winnicott fala [1]. Uma das fantasias vinculadas ao bebê seria a da onipotência, a qual se relaciona com o bebê acreditar/pensar que cria o mundo que está a sua volta. Ela é de suma importância, já que está interligado com a criatividade do sujeito, e consequentemente, com o brincar. Porém, com o passar do tempo a onipotência perde sua força pela ocorrência das falhas que são inerentes a qualquer mãe, e isso passa a construir uma noção de não-eu, um mundo externo, o qual não controla. O bebê então cria objetos transicionais, os quais habitarão o “espaço potencial”, uma zona de união e também de separação entre a mãe e o bebê.

Compreendendo então o quão importante é essa área, esse terceiro ambiente que é criado a partir da relação de um outro com o sujeito, busca-se a criação de um espaço potencial para o setting terapêutico. Assim, a psicoterapia infantil se constrói nessa área, onde o terapeuta procura conter e ajudar a elaborar as angústias da criança. É nesse espaço onde o terapeuta irá, em conjunto com o paciente, trabalhar no sentido de remover bloqueios evidentes no desenvolvimento, permitindo a manifestação da capacidade de brincar e ser criativo.

Winnicott postula que o brincar é terapêutico em si, sendo muito importante no desenvolvimento infantil [1]. Compara-se a uma experiência criativa, com continuidade e que possibilita o brincar em conjunto, ou seja, ajuda no estabelecimento de relacionamentos/vínculos. Ao ter um espaço para manifestar a sua criatividade, através do brincar, os indivíduos conseguem descobrir o seu eu (self). Somado ao descobrir-se, há também o construir o self do sujeito. Dessa maneira, o terapeuta, assim como a mãe, apresenta o mundo ao bebê/criança, proporcionando mecanismos para os impulsos criativos, os quais ajudam na construção da totalidade experiencial do indivíduo. Identifica-se, que o papel da psicoterapia também é o de proporcionar uma autonomia ao indivíduo, podendo fornecer os materiais iniciais, mas deixando espaço para que a criança crie, coloque suas projeções/identificações.

Ainda falando sobre o espaço em potencial que Winnicott abordou [1], faz-se um comparativo com o campo relacional da dupla terapêutica discutido por Ferro [2]. O mesmo baseia-se nas obras de Bion, autor que trouxe importantes contribuições com os conceitos de continência e rêverie. Segundo Zimerman, rêverie está muito ligado com o fato de “ser-continente” [4], porém além da função de conter as angústias do paciente; em rêverie há o movimento de decodificar o que foi passado para o analista, atribuir um sentido a isso e por final devolver ao paciente para que o mesmo possa receber livre de suas próprias cargas que o angustiavam.

Dependendo da configuração do paciente, principalmente se o mesmo teve uma mãe não suficientemente boa, onde o ambiente passou a impor-se muito sobre o sujeito, o terapeuta executará essa função. E é no brincar que a criança irá ser, o brincar permite encontrar-se [1]. Esse ato traz a possibilidade da criança lidar com os mais diferentes tipos de sentimentos como as ansiedades e angústias relacionadas ao crescimento, às separações e a perdas, e também com experiências que vinculem o seu passado, presente e futuro.

Ferro aponta que a criança, no ato do brincar ou por meio da fala mesmo, pode trazer agredados funcionais, os quais imprimirão a relação do sujeito [1]. Reforça-se então que a análise teria 3 posições: a do analista, a do analisando e da relação dos dois. É nessa relação que o analista dever-se-á atentar-se sempre ser continente para as angústias que a criança traz, para poder organizar as ideias desorganizadas. Ferro  usa da terminologia bioniana, postulando que o terapeuta transformará os “elementos-beta”, simbolizando-os junto com a criança, a fim de começarem a ser organizados para a criança, ou seja, transformá-los em “elementos-alfa” [2].

Como o mundo é algo novo para a criança, pois percebe que é apenas uma estrela desse mundo, destaca-se o quão é necessária à presença do outro para o desenvolvimento, e que esse outro precisa estar junto no momento da brincadeira [1]. Ferro afirma que é na presença desse alguém que, ao brincar com a criança, torna possível a transformação das angústias, além da representação e solução de conflitos [2]. Ainda continua a dizer sobre a importância do jogo, pois nele a criança pode “dramatizar, representar, comunicar, descarregar as próprias fantasias inconscientes, e também elaborar e modular a ânsia e as angústias ligadas à sua fantasia” [2].

É no brincar que a criança pode fingir ser um adulto, mas além de fingir, ela é [1]. Nota-se então a importância de deixar a criança no brincar, de acompanhar ela e guardar para si, às vezes, as interpretações, pois as mesmas podem limitar a simbolização que a criança traz no setting [1;5]. Calha aponta a necessidade de repensar sobre as interpretações, pois

 

nos últimos anos muitos autores têm enfatizado o risco de que a interpretação de elementos complexos promova o esvaziamento da potencialidade de significação, de simbolização, de criatividade (KHAN, 1972; SAFRA, 1996 apud CALHA, 2009).

 

Ferro corrobora com essa ideia ao falar sobre interpretações fracas [2], as quais significam que seriam interpretações que não limitam o que o sujeito fala, que não fazem uma cesura. O analista precisa estar atento com os personagens e histórias que o analisando deposita nele.

 

 

leu garcia
By Leonardo Garcia
Hipnólogo e Psicólogo formado pela Universidade Estadual de Maringá.

 

 

REFERÊNCIAS

[1] WINNICOTT, D. W. O brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago. 1975.

[2] FERRO, A. A técnica na psicanálise infantil. Rio de Janeiro. Imago. 1995.

[3] KLEIN, M. Nosso mundo adulto e suas raízes na infância. 1959. In.: KLEIN, M. Inveja e gratidão e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago. 1991.

[4] ZIMERMAN, D. E. Manual de técnica psicanalítica [recurso eletrônico]: uma re-visão / David E. Zimerman. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2008.

[5] CALHA, M. M. M. No caminho da transicionalidade: brincado criamos o mundo.In.:GUELLER, A. S. & SOUZA, A. S. Psicanálise com crianças: perspectivas teórico-clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo. Cap. 7,9 e 13. 2009.